Roberta Traspadini
2010 entra para a história como mais um ano eleitoral de disputas entre os iguais e os quase iguais, sem modificações substantivas no que tange à dimensão política, econômica, social e cultural para a classe trabalhadora do Brasil.
No plano das disputas nacionais ao governo federal, ao analisarmos os dois grupos que hegemonizam a eleição, nos deparamos com duas campanhas – PSDB e PT - que, ainda quando guardem pequenas diferenças entre si, no plano geral são tomadas como o carro chefe do capital contra o trabalho.
Do lado mais à direita – PSDB – o processo significa retomar aquilo que começou no período Collor.
Privatizações, desnacionalizações, intensificação da redução e aniquilamento dos direitos trabalhistas, Estado mínimo para os interesses da classe trabalhadora, do povo brasileiro em geral, e máximo para as parcerias público privadas, em que reina a potência em ação do capital contra o trabalho.
Do lado mais à esquerda, mas sem sair da perspectiva de direita da burguesia – PT – temos o que consideramos uma política de boa vizinhança na correlação de forças com os grupos latinos e alguns Estados nacionais, mediada por uma política de alianças com a burguesia (inter)nacional.
Neste lado, a diferença substantiva não está nos elementos constitutivos do lado mais à direita, e sim, na forma como o PT defende a aliança e a conformação de grupos de interesses para além dos que já está coligado de forma subalterna.
Chama a atenção a relação com os países latino-americanos, o vínculo com o BRIC e, especialmente, a política de conformação dos concursos públicos cuja defasagem histórica permite a este grupo aparecer como defensor do público sobre o privado, quando em realidade tal política está muito distante de se conformar como um projeto de classe para os trabalhadores.
O que veremos na disputa nacional são propostas de continuidade que não evidenciam, no plano macro, uma diferença substantiva para os que vivem da venda de sua força de trabalho, seja esta formal ou informal.
Mais uma eleição sem disputa de classe, de concorrências sem projetos, de votos sem identificação na perspectiva da classe trabalhadora.
Esta escolha entre o candidato menos pior, evidencia na correlação de forças entre as classes, tempos de continuidade do semear da classe trabalhadora.
Semear como fruto de uma era em que a esquerda fragmentada é incapaz de oferecer, como classe, um projeto em unidade que identifique as diversidades e potencialize os trabalhadores. E, portanto, necessita aproveitar o momento histórico para debater o que se tem, com vistas a executar, no futuro, o que se precisa e se quer.
A mudança enquanto projeto de classe não ocorrerá no plano institucional a partir dos sujeitos representantes dos projetos que aparecem como disputa, mas que continuam sob a égide do capital internacional produtivo e especulativo.
A mudança que acumulamos no nosso caminhar histórico e que promoverá a diferença no futuro, é a da produção de uma formação política, aliada às lutas e aos processos de reivindicação populares nos territórios onde ocorrem.
Esta mudança requererá em seu tempo a tomada do poder institucional. Mas deverá contar com um povo organizado, articulado em unidade em que seja contemplada sua diversidade, capaz de ao tomar o poder, exercê-lo nos reais moldes da transição socialista.
Falamos de uma projeção de classe que ao ser preparada antes da tomada do poder institucional, visa superar o histórico processo que condiciona a classe trabalhadora a votar sem participar: os múltiplos grilhões do capital.
A mudança não estará entre a cruz e a espada defendidas como armas diferentes, mas que em realidade são complementares entre o projeto da burguesia mais à direita ou aparentemente mais à esquerda segundo a forma de governar petista.
A mudança estará nas bases concretas de articulação popular em quer reinam soberanas outras armas. A foice, o martelo, a enxada, os livros, a produção coletiva de uma práxis libertadora na consolidação de um tempo de cultivar projetos, em meio à sociedade do destempo em que se vive.
A mudança estará na articulação que seremos capazes de produzir quebrando as fragmentações instituídas, e promovendo encontros para além das áreas particulares.
Sem teto discutindo reforma agrária, sem terra debatendo moradia no urbano, mulheres refletindo sobre o mercado de trabalho formal no Brasil, homens revendo sua função social na partilha das tarefas relativas ao trabalho doméstico.
Juntos, trabalhadores do campo e da cidade, jovens, mulheres, crianças e adultos, deverão inverter a lógica dominante. E, ao colocá-la de cabeça para baixo, ao tocar o chão com os pés e as mãos, refletindo sobre o que se toca viver, quiçá seja possível, instituir, ao mesmo tempo, a leitura da realidade e a produção do novo mundo que se quer viver.
Quiçá, com os pés e as mãos postos em terra firme, sejamos capazes de romper com este ideal iluminista de que outro mundo é possível sem luta, sem sujeitos, sem disputa, sem projetos, sem consciência de classe.
Entre a continuidade do poder institucional e a mudança necessária - que só virá se esta classe for capaz de produzir, na luta com consciência via formulação de seu projeto -, o que nos movimenta rumo a esta construção futura na unidade da esquerda, é saber que seguimos vivos e produzindo no território outras possibilidades que não as hegemônicas. Estamos vivos tanto na produção de outra concepção de poder, quanto na convicção de que o que está por ora consagrado como disputa hegemônica, não representa nosso projeto de classe, enquanto grupo menos pior no poder.

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