Ricardo  Gebrim, da Consulta Popular
Nilton Viana
da Redação
Há um processo de alteração no caráter da  crise, que parcialmente vai  mudando de uma crise de acumulação de  capital para uma crise fiscal dos  Estados nacionais. Essa é a avaliação  de Ricardo Gebrim, da Consulta  Popular. Para ele, isso se dá através  do intenso conjunto de políticas  de ajuda e salvamento direcionadas às  mais diversas frações da  burguesia. Por outro lado, segundo Gebrim,  vivemos um longo período de  descenso da luta de massas. “Lutas ocorrem e  podem gerar conflitos  radicais localizados, mas permanecem localizados  e não se expandem”,  avalia.
Em entrevista ao Brasil de  Fato, ele  afirma que a Consulta Popular vai aproveitar o  momento eleitoral para  promover a agitação e propaganda dos pontos  programáticos do projeto  popular. E acrescenta: “Continuaremos dando  prioridade ao nosso trabalho  de organizar o povo, promover a formação  política e incentivar as lutas  sociais. Nossas lutas acumulam as forças  necessárias que são  imprescindíveis para um processo revolucionário”.
Brasil   de Fato – Como você avalia a atual crise do capitalismo, que teve seu   ápice nos EUA em 2008 e que agora se mostra com força na Grécia?
Ricardo   Gebrim – Em nossos debates na Consulta Popular seguimos   prognosticando que a crise capitalista será profunda e prolongada.   Afirmamos isso por entender que se trata de uma crise de superprodução.   Quer dizer, a causa é o acirramento de uma tendência do capitalismo em   produzir um desenfreado aumento da capacidade produtiva na busca de   lucro, ultrapassando seus próprios limites e acarretando   contraditoriamente o declínio da taxa de lucro, implicando na diminuição   do ritmo de acumulação, no desemprego dos trabalhadores e na própria   destruição e desvalorização de capital. É verdade que a crise não nos   atingiu fortemente e mesmo em nosso continente os impactos maiores se   deram no México e na América Central. Por isso mesmo, criou-se um falso   cenário de que a crise estava superada. E muitos setores populares   passaram a compartilhar esse entendimento. Tal otimismo precipitado pode   induzir a um grave erro de análise política. O que presenciamos é um   processo de alteração no caráter da crise, que parcialmente vai mudando   de uma crise de acumulação de capital para uma crise fiscal dos Estados   nacionais, através do intenso conjunto de políticas de ajuda e   salvamento direcionadas às mais diversas frações da burguesia. É o que   assistimos na Grécia e Espanha e que provavelmente seguirá ocorrendo nos   próximos anos.
Em recente artigo, o professor José  Paulo  Netto (da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio  de  Janeiro) disse que a crise da esquerda não é teórica, mas sim   organizacional. Você concorda com essa avaliação?
Estamos   enfrentando um longo período de descenso da luta de massas. Se   considerarmos que a Revolução Popular Sandinista em 1979 foi a última   conquista revolucionária de um Estado, estamos quase alcançando o   intervalo de 34 anos que vai da Comuna de Paris em 1871 até a Revolução   Russa de 1905. E sabemos que nos períodos de descenso o pensamento   revolucionário enfrenta condições extremamente adversas para se   construir e sua capacidade de influência é muito limitada. Além disso, a   marca central deste período de descenso é o impacto ideológico que   acompanhou o fim da União Soviética e demais repúblicas populares do   Leste Europeu. Por mais problemas que apresentassem, a derrota destas   experiências abalaram profundamente as convicções e esperanças de todos   lutadores. Esse impacto reavivou concepções teóricas que haviam sido   enterradas pela luta de classes e reaparecem com novas roupagens e   autores. Concordo, porém, com José Paulo Netto ao afirmar que os   elementos teóricos fundamentais para uma transformação revolucionária   estão garantidos. Realmente não se trata de formular uma teoria   superadora mas, principalmente, resgatar a atualidade dos elementos   centrais que asseguraram as revoluções no século 20. Neste sentido,   nosso desafio é fundamentalmente organizativo e, acrescento, também   ideológico, para não se perder neste momento tão adverso em que a cada   seis meses, surge uma teoria da moda.
Mas será que o   descenso não virou uma desculpa para não avançar mais?
Tua   pergunta reflete bem uma exasperação que existe na militância quando   escuta a palavra descenso. Realmente, toda uma geração que despertou   para a luta a partir da década de 1990 já não aguenta mais ouvir essa   palavra. Porém, o descenso existe. Pode ser medido objetivamente pela   perda da massa salarial e direitos trabalhistas, mas também é   identificado subjetivamente pela inviabilidade das formas de luta se   generalizarem e pelo desânimo em buscar soluções coletivas. Quer dizer,   lutas ocorrem e podem gerar conflitos radicais localizados, mas   permanecem localizados e não se expandem. São os períodos históricos em   que os mecanismos de dominação são efetivos e apesar de se produzirem   tensões, funcionam bem, cumprindo o papel de manter a ordem. É claro que   um período histórico de descenso da luta de massas não pode servir  como  desculpa para deixar de construir lutas, até porque o re-ascenso  também  depende do papel dos indivíduos na história. Porém, por maior  que seja  nossa vontade, estamos limitados pelas circunstâncias  históricas deste  momento de refluxo.
Mas isso não é  muito pessimista?
Pelo  contrário. Os projetos de  transformação e as organizações  revolucionárias constroem-se exatamente  nos períodos de descenso, quando  podem se dedicar a formar seus  quadros, construir a confiança entre  seus militantes, consolidar-se  ideologicamente e definir sua estratégia.  Mesmo sabendo que o  re-ascenso não depende apenas de nossa vontade,  nossas lutas acumulam  as forças necessárias que são imprescindíveis para  um processo  revolucionário.
Neste cenário de descenso  que você  apresentou, quais são os desafios atuais para a classe  trabalhadora?
Antes  de tudo, sobreviver a essa  conjuntura tão adversa, preservando os  quadros, especialmente os mais  jovens, mantendo os valores, princípios e  os ideais de uma sociedade  socialista. É preciso reconstruir as bases  políticas, organizativas e  ideológicas para esse processo  revolucionário. Isso implica formar toda  uma geração de lutadores, em  construir um paciente trabalho de base, em  construir a unidade das  forças populares e ter uma política clara que  sempre identifica e  aponta para o inimigo. Mas tudo isso necessitará  encontrar  circunstâncias históricas favoráveis e não será a tarefa de  uma única  força política.
Como você avalia a esquerda  brasileira  nesse atual cenário?
Desde o final da década  de 1980  até 2002, a centralidade tática que unificou a esquerda  brasileira foi a  eleição de Lula. Ao longo deste processo a questão  estratégica de  conquista do Estado foi gradativamente sendo reduzida  para a vitória  administrativa. Portanto, não é casual que a vitória de  2002  desencadeie todo um processo de rearranjo das forças políticas de   esquerda. Esse cenário gerou uma intensa divergência tática. Alguns   setores acharam que o central era sustentar a todo custo o governo Lula,   ainda que tivessem que rebaixar seus programas, e outro setor passou a   ter como objetivo central constituir-se numa oposição eleitoral ao   governo Lula. Hoje já é possível fazer um balanço deste processo e   achamos que ambas as táticas foram equivocadas. Elas permaneceram   aprisionadas na lógica do governo e na luta eleitoral e parlamentar. Nós   optamos por uma tática diferente. Deixamos claro que o governo Lula  não  era o nosso inimigo, mas não deixamos de enfrentá-lo na questão   agrária, na política econômica, na política energética, nos leilões   entreguistas do petróleo e todas as outras ações antipopulares. Tampouco   tivemos vergonha de apoiá-lo como no recente episódio do acordo com o   Irã e a Turquia. Nossa referência nunca foi a sustentação ou a oposição   ao governo, mantendo sempre a autonomia em torno das bandeiras do   projeto popular. Neste cenário, o grande desafio consiste em unificar a   esquerda e o conjunto das forças populares em torno de um programa e um   calendário de lutas. Retomar o projeto estratégico e construir força   social que o sustente. A isso chamamos de construir um projeto popular   para o Brasil.
E como você vê a atuação dos movimentos   sociais no Brasil?
Apesar de enfrentarmos uma conjuntura   adversa para as lutas sociais neste período de descenso, existem   paradoxalmente possibilidades promissoras de avanços organizativos e   consolidação de espaços unitários. Apostamos na construção da Assembleia   Popular enquanto uma articulação de lutadores e lutadoras populares,   que não abandonaram o método do trabalho de base e têm a prática   permanente de debater e lutar por um projeto popular para o Brasil.
Esse   ano teremos eleições no Brasil. Ao que tudo indica não há nenhuma   perspectiva viável eleitoralmente, capaz de enfrentar os grandes   desafios do ponto de vista da esquerda. Como você vê esse cenário? 
Ao   longo de seu processo de construção, o PT aprovou em 1986 o chamado   “Programa Democrático Popular”. Segue sendo um programa extremamente   atual que enfrenta os principais problemas estruturais de nosso país.   Ainda que alguns setores não gostem do nome, todas as principais forças   populares sustentam o mesmo programa porque nossos problemas permanecem   os mesmos. Porém, esse não foi o programa adotado no governo Lula. O   programa implementado pelo governo rebaixa completamente aquele programa   histórico. A grande questão é que, ao contrário dos setores mais   organizados e das forças de esquerda, a maioria do povo brasileiro não   considerou que houve um rebaixamento programático porque não tinha   expectativa nestas transformações. Enxergam o governo Lula como um   avanço, uma conquista. Vivenciaram como uma experiência positiva e   concretamente existiram aspectos positivos. E todo o esforço de retomar   as bandeiras históricas do programa que enfrenta os problemas   estruturais não é percebido pelo nosso povo enquanto uma alternativa   política. Esse é um tremendo desafio para as forças populares. Exigirá   unidade e a realização de muitas lutas para aparecermos enquanto   alternativa. Nestas eleições haverá um plebiscito, entre a manutenção   deste projeto rebaixado e o retrocesso. O projeto popular não estará em   debate e as candidaturas de esquerda que tentam romper essa lógica são   residuais, impotentes para alterar essa lógica.
Mas qual  é  a posição da Consulta Popular nestas eleições?
Recentemente   realizamos nossa III Plenária Nacional, onde deliberamos não apoiar   nenhuma candidatura presidencial no primeiro turno. Aproveitaremos o   momento eleitoral para promover a agitação e propaganda dos pontos   programáticos do projeto popular. Continuaremos dando prioridade ao   nosso trabalho de organizar o povo, promover a formação política e   incentivar as lutas sociais. Também decidimos que vamos nos empenhar em   denunciar e combater as candidaturas que expressam o projeto neoliberal  e  o imperialismo, como a candidatura de Serra.
Em   entrevista ao Brasil de Fato, o jornalista José Arbex Jr. defendeu a   criação de um novo instrumento político, impulsionado pelo movimentos   sociais, que seja capaz de fazer frente ao atual estágio capitalista no   país. Como você vê essa proposta? A esquerda brasileira precisa   construir um novo partido revolucionário?
O Arbex é um   grande amigo nosso, embora não seja militante da Consulta Popular. Sua   proposta expressa a angústia das pessoas sensíveis aos problemas sociais   e aflitas para responder rapidamente a um processo complexo que exige   uma construção paciente. Em nossa experiência, aprendemos que a   necessidade de contar com uma referência política que se coloque de   forma visível para as massas não depende apenas da vontade das   lideranças. A recente construção do Psol por lutadores sérios e   consequentes apostava nesta possibilidade e sua atual crise demonstra os   limites deste caminho. Nossa aposta enquanto Consulta Popular, que   estamos construindo desde 1997, aponta em outra direção. Percebemos que   não bastava reunir alguns bons militantes, aprovar um programa e   disputar cargos institucionais para resolver esse problema. Não estamos   preocupados com nossa visibilidade e sim com a construção de uma   estrutura de quadros, organizados em núcleos que funcionem de modo   regular, construindo coletivamente uma estratégia unitária que tem como   centro a luta pela conquista do poder do Estado. Sabemos que é uma   aposta que exige a combinação de paciência e ousadia. Os desafios são   enormes, mas aprendemos que a construção de um projeto revolucionário   precisa ser desenvolvida exatamente nos períodos não revolucionários da   história. Estamos orgulhosos com nossa trajetória.
Quem   é
Ricardo Gebrim é advogado, ex-presidente do Sindicato dos   Advogados do Estado de São Paulo e integrante da coordenação da Consulta  Popular. Foi presidente do Diretório Central dos  Estudantes (DCE Livre  da PUC) em 1980 e militante da Solidariedade com a  Revolução  Nicaraguense. De 1988 a 1991, foi assessor jurídico  da  Central Única  dos Trabalhadores (CUT).
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/entrevistas/esquerda-brasileira-deve-criar-um-novo-partido/view
 
 
 
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