Passada a euforia do triunfo policial no Complexo do Alemão, fazemos nossas análises e torna-se difícil não ficar decepcionado.
 A  imprensa alardeava a presença de centenas de traficantes - talvez 500 ou  600 no complexo de favelas - e, ao fim do domingo, a mesma imprensa  noticiava um número cerca de 40 vezes menor - algo como 15, 20 ou 30  – detidos pela polícia.
     Comandante  da operação, o secretário de segurança do estado do Rio de Janeiro,  durante a entrevista coletiva na noite de domingo negou-se  peremptoriamente a apresentar qualquer balanço da operação porque,  segundo ele, a operação ainda estava em andamento. No entanto, havia  números. Números parciais, mas números. Nem estes foram oficialmente  divulgados. Por certo, ele tinha lá suas razões para não mostrá-los.
     Contradições  não faltaram. Fomos informados pelos diferentes meios de comunicação,  pela palavra de oficiais da Polícia Militar e integrantes da Polícia  Civil, que todas as saídas do Complexo do Alemão estavam bloqueadas e  que ninguém sairia ou entraria sem ser identificado. No entanto, ao  final do domingo, durante a coletiva de imprensa, o secretário estadual  de segurança em pessoa declarou, em alto em bom som, que os fugitivos  seriam localizados e detidos. Falando claramente, esses "fugitivos"  ludibriaram o maior aparato policial já empregado na história do Rio de  Janeiro.
     É  verdade que a quantidade de drogas apreendida foi impressionante.  Todavia, o armamento confiscado pela polícia fica muito aquém do  previsto para aquela fortaleza do tráfico.
     Falou-se  muito em “território”. Nas palavras do secretário de segurança o Estado  Brasileiro retomou aquele território há décadas ocupado pelo tráfico.  Curioso é avaliar o sentido dessas palavras. Ao afirmar que o Estado  havia retomado o território, o secretário reconheceu implicitamente que o  Estado esteve ausente daquela área por décadas. A ausência do Estado  implica também que a lei deixou ser ali aplicada, sendo substituída por  regras impostas por outra autoridade – a do tráfico. Ora, isto é  surpreendente e vergonhoso. Símbolo desta retomada foi instalação das  bandeiras brasileira e do estado do Rio de Janeiro no topo da favela que  todos, nós e o mundo, assistimos pela TV.
     Como estará hoje o ambiente no Complexo do Alemão? Evidentemente, as coisas  caminham para a normalidade. O que se chama de “normalidade” para  aquela área? Os traficantes foram substituídos pelos policiais que  prosseguem em sua tarefa de busca por mais drogas, armas e traficantes.  Os moradores voltaram a seus afazeres normais, a saber, a  superexploração de seu trabalho, geralmente em condições subumanas de  transporte e alimentação. As crianças foram para as mesmas escolas de  antes, mal instaladas e conservadas, para o aprendizado deficiente com  professores desmotivados e mal remunerados. Os idosos e doentes vão  buscar atendimento médico em hospitais e postos de saúde mal equipados e  superlotados, onde são atendidos por funcionários também desmotivados e  mal pagos.
     Resumindo  o quadro: a favela continuará favela. Talvez com um novo teleférico,  mas favela. Casas e barracos inacabados e inseguros, vielas apertadas e  esgoto a céu aberto. Talvez na próxima campanha eleitoral haja algum  avanço, se o tráfico não voltar. Terminada a pirotecnia, a vida do  favelado prossegue, agora sob a lei do Estado que o mantém favelado sob a  bandeira da “ordem e progresso”.
 
 
 
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