quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Há mais de quinhentos anos ficamos atrás dos cavalos


Estávamos lá, homossexuais, negros, mulheres, jovens, estudantes, trabalhadores/as rurais, crianças e idosos. Empunhávamos faixas, bandeiras e um sorriso no rosto. Grito dos/as excluídos/as exige passagem, dissemos as tropas, e aí nos foi colocada uma lista de espera, como quem pede paciência de mais de quinhentos anos: aguardem mais um minuto, sem terra, sem pão, sem moradia, sem trabalho. Mas não sem indignação, mas não sem ousadia, firmes e decididos resolvemos seguir a marcha dos outros quinhentos. Ao longe se ouvia o rugir dos tambores da pátria, apresentando suas armas. Lembrávamos dos canhões que destruíram canudos e dos tanques que invadem o Haiti. As respostas foram às mesmas a de mais de quinhentos anos. E com seus cassetes e escudos reluzentes então nos disseram: estamos cumprindo ordens, nem um passo a frente. E a espada que saia da bainha com força se abatera feito chicote, marcando em nossos corpos e memórias que Carandirus, Corumbiaras e Eldorados, só foram possíveis porque ao invés de independência veio a morte vestida com seu uniforme da corporação. A chuva que caía levando o sangue das Margaridas e dos Pedros não corria pra o rio do Ipiranga.


Estávamos ali forçando nossa entrada na história. Gritamos: Candelária, Isto não vale. E nossas crianças já não podiam brincar com sua alegria menina e criadora. Outras crianças nos foram apresentadas com seus uniformes de campanha num estranho ritual de iniciação.


Eis que o mercado da exploração continuava calmo, mas o povo nervoso mirando a outra margem do rio. De nossas bocas saíram canções de luta e vida, ora felizes, ora revoltosas, mas ali todos se conheciam pelo nome, enquanto o muro de carne e osso que se montara em nossa frente si quer trazia seus nomes. A ordem era usar a força dos sem rosto para obter o progresso dos sem tudo. Porém os de nome e cara risonha reproduziam a farsa de um quadro pintado, assistindo no palanque a mesma história se repetir a mais de quinhentos anos. E mais uma vez dissemos isto não vale! Resolveram riscar os muros da intolerância e derrubar as cercas que de tão normas habitavam as retinas. Eis que após mais de quinhentos anos de sangue, exploração e mentira em desfile na avenida central passam os cavalos, só então os senhores detentores da lei e da ordem permitem aos/as excluídos/as que sua marcha prossiga. Contudo tínhamos pressa, pois o acerto de conta com a história é o acerto de conta com os novos e velhos coronéis, com capitães do mato que ostentavam suas medalhas de covardia e ódio no peito, com os que sempre em nome de Deus continuam a catequizar o povo em nome dos poderosos. Então a marcha se fez corrida e foi chamada de invasão. Aos que aqui invadiram, mataram, estruparam e escravizaram há mais de quinhentos anos, foram chamados de heróis e colonizadores e em sua homenagem fazem estátuas, placas e nomeiam cidades, bairros e ruas. Enquanto isso Galdinos e florestas viram cinzas nas mãos dos novos e velhos de Brasília. Já aos pés do palanque encontramos instrumentos que tocavam o canto da sereia. Foi então que dissemos: ou todos dançam ou ninguém dança. Há mais de quinhentos anos continuamos atrás dos cavalos. Isto não vale: queremos participação no destino da nação! Apesar das hostilidades, da prisão e da violência, a batida dos tambores passou a ser outra, embalados pela capoeira, ciranda, coco, samba, toré anunciava que a música que chegara era da senzala e do terreiro, portanto: pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro!

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